São José de Mipibú - RN / Arquidiocese Natal

quarta-feira, 30 de julho de 2008

O Mal não tem o que perder!

Eu penso que muitos amantes do cinema já viram o filme: "Batman, o cavaleiro das sombras". Longe de fazer uma leitura imediatamente lúdica da criação, seria interessante pensá-la como instrumento que possibilita uma realística interpretação da nossa sociedade, comunidade etc. O enredo é muito bem situado no modo de conceber a vilania, a corrupção, o sofrimento e, enfim, como estes ciclicamente se voltam para as próprias relações de buscas, vontades, vinganças, ódios, desordens, que estão intrinsecamente enxertados na holística estruturação humana. Existe na pessoa uma tendência ao Mal. O personagem, o Coringa, que, por sinal interpretado brilhantemente, aposta na ação malévola e animalesca dos seres humanos. Ele concebe, por uma transferência doentia, que todos os homens são maus e que, por isso, não há esperança para as reais possibilidades da feliz proporção do bem.

Em meio a tudo isto está a teleologia da justiça. Ela pode ser a esperança dos cidadãos para a realização e harmonia e a prática destes? Ela é constituída para os homens e por estes ou vice-versa? Se trouxermos e analisarmos a nossa conjuntura tendo-a como meio de interpretação, encontraremos muitos elementos do filme inseridos nas nossas instituições. Num dos diálogos do Coringa com o personagem principal, o vilão se mostra como alguém que diante da satisfação de instigar o caos, usa como argumento o fato de que ele não tem o que perder, ou seja, ele é vazio de tudo que possa ser objeto de afeição. O mal é o nada que quer o esvaziamento daqueles que buscam ou desejam o "tudo"! Onde está presente o caos não há felicidade. O trivial desta é a integração. O bem é a conseqüência necessária das ações dos que amam. Quem ama e é amado promove o bem e é feliz! O Mal vomita a desordem e se regozija com a confusão. Com isto, quero dizer que a questão do Mal, por ser também uma questão antropológica de suma importância e que se supera constantemente, não pode ter uma resolução imediata porque ele é fruto do contingente. A reflexão sobre o significado e sentido dele poderia ser, mesmo na sociedade pos-moderna, pensado para a melhor instrumentalização da lei como meio de organização da ordem social. O homem tem pavor do caos. Mas por que? Batman, como muitos outros "super-herois" do cinema, nos mostra esta 'verdade' constantemente: "as pessoas querem líderes que deveras sejam sinais de esperança de vida plena, porque todos anseiam, mesmo que protegidas por alguém tão obscuro, pelo bem absoluto".

Um olhar sociológico e de analista político será oportuno quando os telespectadores estiverem a deleitar-se com a película. Os fantasmas do Batman, como bem observa o Coringa, são necessários para a própria compreensão do morcego bilionário. Ele apesar de tantos sofrimentos, ainda assim, passa como figura que faz dos infortúnios, molas motrizes para edificação da justiça e acredita neste projeto até o fim. Então, se pode diametralmente afirmar que o meio não pode ser tido como elemento determinante para aqueles que vivem da injustiça e promovendo a discórdia em detrimento dos demais seres humanos.

Mesmo que o horizonte finito dos que esbofeteiam com a indiferença a esperança dum mundo justo e solidário, é mister que o Mal não ofusque a Bondade. A justiça humana não será suficiente para responder as inquietações humanas porque o homem se supera cotidianamente. A razão não violenta a realidade porque esta tende a organizar o que a define como essência absoluta do homem. Só Ela como Logos de Deus dado ao homem, totaliza o que é caótico do homem e do mundo. Assim o seja!

quinta-feira, 17 de julho de 2008

As escolas e as famílias

Na experiência pastoral, como sacerdote e pastor duma comunidade paroquial, escuto constantemente os depoimentos de diretores e professores de escolas que estão detectando a séria e problemática relação que atualmente está existindo entre as escolas e as famílias. As questões são múltiplas e variadas e envolvem dificuldades de ordem materiais, psicológicas e espirituais.
Os depoimentos apresentam atitudes de alunos que trivialmente vem de famílias desestruturadas. Pais alcoólatras, desempregados, com dificuldades de relacionamento, indiferentes à dimensão espiritual, sem engajamento em grupos sociais, com baixo nível de educação, com crises existenciais, enfim, carências múltiplas concernentes à dimensão antropológica. Os questionamentos dos gestores da educação são: o que fazer? Por que no ambiente escolar, às vezes, muita coisa parece estar tão caótico? Por que as nossas crianças e jovens parecem ser tão mau amadas? Professores despreparados e mau remunerados, estruturas físicas de péssima qualidade Etc.

Como sacerdote disse e tenho convicção disso, que o que está faltando é amor na vida das pessoas. Qualquer psicólogo ou psicopedagogo observará esta dificuldade. Um ambiente familiar no qual não há harmonia entre pais e filhos não conseguirá enviar para as escolas alunos equilibrados, e, para sociedade bons cidadãos. Não é uma questão só sociológica; mas posso afirmar que é também transcendental. O descaso com o valor da pessoa humana que é imagem e semelhança de Deus, está levando ao total indiferentismo por parte dos próprios seres humanos da necessidade de valorizar a família como célula mais importante para a sadia e progressiva realização de cada membro de qualquer outra instituição. Observando os ambientes escolares percebemos esta 'verdade'. Há uma tentativa de reinvenção de paradigmas, porém o que está sendo para assumir essa realidade fundante da estrutura social? Nas escolas, sem deixar de refletir sobre as dificuldades sistêmicas, pode-se perguntar acerca da visão que temos da necessidade de fazer um intercâmbio permanente das vivências das famílias e das escolas. Estas precisam fazer de modo continuado um diagnóstico das reais condições familiares existentes em cada meio no qual a instituição está funcionando. Partindo de cada caso e situação concreta traçar metas que centralizem a pessoa em todo o processo educativo, que, por sua vez, tanto epistemológico quanto contextualmente auxiliem no bom desenrolar do processo pedagógico.

Há ainda que lembrar que infelizmente os investimentos na educação são poucos. Estes, ainda, são desviados, pelos gestores públicos, da sua finalidade precípua. Para as escolas e famílias faltam o acompanhamento psicopedagógico, a merenda escolar que é de má qualidade, o pagamento de funcionários da educação que não atinge o piso salarial e, outrossim, saem atrasados, a formação permanente que não acontece na maioria das escolas por falta de preparo e perspectivas dos próprios professores; a obrigação de trabalhar na educação por muitos destes por não ter outra opção de trabalho, gerando assim a infeliz e desgastante ação profissional.

Por fim, com força de vontade, parcerias como: família, escola, igreja e outras entidades não governamentais podem fazer a diferença nos municípios, pode-se fazer muito pelo bem das nossas queridas crianças e adolescentes. Quem ama a vida e reconhece o valor de cada ser humano vai estar sempre aberto para promover a felicidade e o preenchimento dos mais belos e universais anseios daqueles que na família, pela escola e na comunhão com o amor verdadeiro de Deus, serão o futuro da humanidade. Assim o seja!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Uma espiritualidade que acontece no encontro

Nós, os padres da Arquidiocese de Natal, estamos no nosso retiro anual. Juntamente com o nosso Arcebispo, D. Matias Patrício de Macedo, fazemos a experiência da comunhão presbiteral. Para nós é tempo de graça, ou seja, da manifestação da presença de Jesus que nos diz, pela Palavra "Não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua palavra, crerão em mim: a fim de que todos sejam um (Cf. Jo 17,20-21a)". A nossa espiritualidade cristã passa necessariamente pelo encontro. Nós presbíteros devemos dar este testemunho ao mundo. O Documento de Aparecida nos convoca novamente a esta atitude. Para que esta palavra aconteça se faz mister o 'encontro pessoal com Jesus, que acontece na comunidade, alimentado pelos sinais manifestadores da real presença de Deus em nosso meio. A comunhão presbiteral é um dos meios pelos quais nós dizemos ao querido Povo de Deus que nós acreditamos no que pregamos. Não esqueçamos que é oração do próprio Jesus que todos sejam um (Idem). No nosso retiro, mais do que reunir-nos para ouvir as palavras do pregador, que este ano é o D. José Maria Pires, Arcebispo emérito de João Pessoa, nos encontramos como Presbitério para experienciar a unidade. Nós não podemos pecar contra a unidade da Igreja. Seria uma indiferença às palavras do próprio Jesus.

Às nossas queridas comunidades: rezem pelo clero! Apóiem os presbíteros na missão, que por sinal é de todos os cristãos. Aqui, onde se realiza o retiro, nós rezamos por todos vós. A razão de ser do nosso ministério sois vós. O coração do presbítero que tem consciência da sua identidade alegra-se com o vosso bem. O nosso encanto deve voltar-se para o que de fato vós esperais de nós. Esse encontro da espera e da doação deve acontecer sempre. Certamente, o sentido do retiro tem a ver com a preocupação da Igreja com cada filho seu. O Presbítero deve ser um homem de relação com Deus. Por isso, a comunhão que possibilita que todos sejam um, como o Pai e o Filho, precisa ser a nossa meta.

Infelizmente, alguns irmãos no ministério, por causas justificáveis, não puderam estar conosco. Por motivos diversos: saúde, idade, questões acadêmicas etc. Contudo, a certeza de formamos um só corpo nos une pela oração. Presbítero que se isola da missão comum da Igreja e da comunhão com seu Bispo atrofia a causa imediata do seu ser sacerdotal. Mesmo participando do Único Sacerdócio de Cristo, é pela comunhão que se materializa a unidade sob a ação do Espírito de Deus em nosso meio. Nenhum outro retiro substitui este momento de encontro do clero da Igreja particular. Quando nos encontramos somos fortalecidos e nos animamos para a Missão.

Por fim, o testemunho deixado a todos os cristãos é que nos consagramos para vossa felicidade. O Presbítero que não nutre esta perspectiva ministerial, normalmente se frustra. Então, mesmo como vossos servidores não esqueçam da humanidade do presbítero. A vida cristã vive e acontece pela caridade. A espiritualidade do Presbítero está vinculada de forma intrínseca à mística cristã. Mais uma vez no nosso retiro queremos tonificar esse propósito para nossas vidas. A oração sacerdotal de Jesus (Cf. Jo 17) é um ótimo instrumento de reflexão para o aprofundamento do sentido do sacerdócio. Às nossas comunidades a confirmação de que estamos e somos felizes porque nos consagramos a vós e a todos nós presbíteros da Arquidiocese de Natal que alimentemos, pelo encontro com Jesus na face do irmão presbítero, o nosso propósito de promover a unidade para que o mundo creia (Cf. Jo 17,21b).