São José de Mipibú - RN / Arquidiocese Natal

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O cego e a cegueira

Quem teve a oportunidade de assistir ao filme 'ensaio sobre a cegueira', deleitar-se-á com uma obra fantástica. Pois, por meio dela, o telespectador terá a oportunidade de sentir o que é a degradação humana. O homem quanto mais se depara com sua miséria, mais mostra a sua verdadeira face. Mas, por quê? O que é que de fato nós precisamos ver, para não ficarmos cego diante deste mundo e neste que nos circunda e no qual nós estamos contidos?

Nós precisamos de luz. A vida do cego de nascença tem o seu sentido porque a totalidade dos seus sentidos só será conhecida por aquilo que ele sentiu ou viu. Ele pode ser considerado como um aético, porque ele pode amadurecer por causa daquilo que lhe é faltoso. Como ele não conhece a luz, a escuridão se torna a sua companheira insossa. Todavia, o que acontece quando a visão é algo que dá sentido à vida e que possibilita a fuga do outro no que concerne aos nossos reais desejos e vontade de exercício de poder diante do outro que é mais fraco do que eu.

O Evangelho de João nos apresenta uma chave de leitura para o significado da verdadeira cegueira do homem. Jesus cura um cego de nascença. No texto citado ele surge como alguém mediante o qual sejam manifestadas as obras de Deus (cf. Jo 9,3). Isto porque Jesus é a luz do mundo (cf. 9,5). Não podemos deixar de pensar que nesta tecitura literária, no conjunto da obra joanina está a convicção de que quem está sem Jesus é como um cego que não conheceu a luz. Neste sentido, de fato, nem ele nem seus pais pecaram; mas tudo o acontece para que se manifeste a glória de Deus que não é condicionado a mostrar a sua verdade por causa daquele que é cego; mas, sim, por meio daquele que teve a oportunidade de conhecer a luz e não deixou de abraçá-la por causa da sua 'indiferença' diante do mundo e da vida.

Podemos ler que só depois que o cego ficou curado é que começou a ser visto pelos outros. Solvente é assim. Nós enxergamos aquilo que queremos ver ou quem queremos. O que nos interessa; o que nos é conveniente; o que nos dá prazer e satisfação pessoal. Estamos deixando de observar a vida e o meio; aqueles que precisam ser vistos por nós, como: nossas famílias, nossos filhos, nossos pais, os idosos, o drogado, o alcoólatra, a prostituta, os jovens desempregados, os famintos, os meninos de rua, os fetos anencéfalos e os que são abortados sem terem seu direito inviolável à vida respeitado etc.

Podemos exercer nosso livre arbítrio. Em meio a tantos cegos, há a esperança do exercício da visão. O nosso mundo pode perder a ordem se se deixar cegar pelo Mal que anima sua existência histórica. A lucidez humana é uma conquista do dia a dia que não dispensa um realismo antropológico. 'O ensaio sobre a cegueira tem por finalidade a mostra que nós não mudaremos enquanto não pararmos de ver as nossas medíocres aparências'. Nós corremos muito para buscar o conhecimento do mundo e esquecemos de nos conhecermos. Por isso, muitas e muitas vezes, estamos dentro da latrina e não nos damos conta que precisamos sair dela. Precisamos ter coragem, ousadia, valentia, determinação, firmeza, caráter, verdade, justiça, respeito, caridade, fidelidade etc.

Enfim, Jesus pode nos tirar desta cegueira que de passageira pode vir a ser eterna. Lembremo-nos que ainda estamos na fase do ensaio. A esperança tem consistência porque o presente não dispensa o futuro. Os que deixaram de enxergar, podem retomar a vista e olhar o seu mundo e o dos outros para que a interação exista, não só por causa da necessidade; mas por causa do amor verdadeiro e vivido. Assim o seja!