São José de Mipibú - RN / Arquidiocese Natal

terça-feira, 29 de abril de 2008

A unidade nos fortalece

“Quem não prezar pela unidade não subsistirá”. Os horizontes que delineiam as construções e reconstruções dos sistemas sociais da modernidade valorizam o individualismo. O capitalismo selvagem e seus vários instrumentos de controle e manipulação direcionam seus estratagemas para fomentar a continuidade e permanência de tudo aquilo que substancia este solipsismo pessoal. A sociedade hodierna é a marionete de quem tem o dinheiro. O predicado que a qualifica de “enferma” não é confrontado pela maioria que não tem uma proposta humanizadora e humanizante para dizer o que e como pode ser feito para curá-la da sua desagregação esquizofrênica.

A palavra que não pode calar do começo ao fim de qualquer relação social é “Unidade”. Não foi em vão que Jesus, que é o Senhor Ressuscitado, pede que todos sejam um como ele e o Pai o são (Jo 17). Aqui não dispenso, para uma encantadora compreensão, todo o capítulo. Só pela unidade e a comunhão a sociedade pode ser reconciliada. Isto serve para todas as células sociais, principalmente as famílias. Mesmo que seja inquietante dizer isto, mas o sinal mais claro de que a sociedade está desorientada é que as famílias estão perdendo a sua identidade. Esta crise surge quando a cultura se tornou “aculturada”. O homem deixou de ser fim e veio a ser meio das artimanhas políticas e econômicas, tendo seu marco significado na revolução industrial (séc. XIX), no momento que passou a ser substituído por aquilo do qual ele deveria ser o senhor.

Apresento a questão de modo geral para instigar a provocação que não deveria ser só teológica e eclesial; mas política e global. Jesus, que de fato é o mestre, disse: “Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não poderá subsistir. E se uma casa se dividir contra si mesma, tal casa não poderá manter-se (Mc 3,24-25)”. O grande desafio para um possível e justo ordenamento social se encontra, num mundo globalizado, na convivência com o diferente. Como o indivíduo, que pensa que é o senhor da sua história, mas que de fato está cego numa aldeia virtual, perdeu o sentido do ser e do fazer com os outros, o que ficou foi a revolta silenciosa de quem negando o outro não sabe o que fazer, já que não pode ser feliz sem o outro. Por isso, não poderá construir-se no tempo e no espaço. Eis a questão: Os seres humanos, que não assumem a sua condição, não conseguem ser protagonistas da história.

Já que vivemos num Estado Democrático e que, por isso, deve respeitar a liberdade religiosa e de imprensa, me permitam citar novamente, a Sagrada Escritura: “Com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos. Motivados pelo amor queremos ater-nos à verdade e crescer em tudo até atingirmos aquele que é a Cabeça, Cristo. Graças a ele, o corpo, o corpo, coordenado e bem unido, por meio de todas as articulações que o servem, realiza o seu crescimento, segundo uma atividade à medida de cada membro, para a sua edificação no amor (Ef 4,2-6.15-16)”. O Cristianismo tem a mensagem. Só o amor é a resposta para a negação do outro e, consequentemente, da unidade. Quem divide e o que divide não é Deus e nem vem de Deus.

Enfim, tenhamos coragem e entusiasmo para fazer uma revolução que brota do coração que ama e que doa a vida. Não nos contentemos com as conseqüências do nihilismo que assassina e que alucina quem foi criado para amar. Sejamos fortes por este amor que nos fortalece. Assim o seja!

Arrependei-vos!

Na Quarta Feira de Cinzas, nós, cristãos católicos, começamos a celebrar a Quaresma. Este período é tempo de preparação para a celebração mais importante do cristianismo, que é a Páscoa, ou seja, a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. O imperativo é: Arrependei-vos! A fonte do que é proposto tem por base o que a palavra do próprio Jesus, quando ao iniciar a sua missão começa por proclamar que “cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho (Cf. Mc 1,15; Mt 4,17)”.

O espírito próprio deste período é a motivação para que todos os discípulos se convertam. A Quaresma é tempo propício para mudança radical dos nossos modos de pensar e agir nos nossos relacionamentos com Deus, com o próximo e conosco mesmo. Converter-se é mudar de mentalidade, tomar um novo rumo, deixar os desejos que nos escravizam e nos amedrontam, extirpar os ídolos que nós deixamos que ocupem o lugar de Deus em nossas vidas. Jesus mostra qual deve ser a atitude de quem quer continuar sendo fiel ao Senhor (Cf. Mc. 1,12-13; Mt. 4,1-11; Lc. 4,1-13). Como nós somos convidados a nos retirar, Ele antes o fez. Durante quarenta dias permaneceu no deserto. Queria abrir-se plenamente à missão de anunciar o Reino de Deus. Eis o grande projeto Dele e também o nosso. Mas para isso o aprimoramento da nossa opção fundamental deve ser continuamente fortalecido pelos sinais de Deus na nossa história, que só é qualificada pela ação Dele no tempo favorável. Estes quarenta dias que antecedem a Páscoa é o nosso momento. Quais são as nossas atitudes? A pedagogia evangélica nos propõe práticas que, se bem veiculadas, podem ser meios eficazes nos nossos exercícios espirituais. São elas: a) o Jejum; b) a Esmola e c) a oração. Também para os judeus eram os principais gestos que tornam os homens justos diante de Deus (Cf. Mt. 6, 1-18).

a) O Jejum: exercita o nosso eu que se precisa sair de si para encontrar-se com um outro. Só pela humildade isso pode se tornar possível. Por causa das marcas do pecado a nossa individualidade desordenadamente deseja ser absoluta. A tentação do poder que se ramifica em todas as circunstancias de nossas vidas, através dos e nos nossos relacionamentos. Nós queremos ser os nossos únicos senhores. Por isso, há quem tenha dito que “deus morreu”. O que vale é a nossa vontade. Pelo Jejum nós mortificamos os nossos desejos egocêntricos e narcisísticos para que a humildade aconteça.

b) A Esmola: Falar deste exercício é falar da caridade. Esta, segundo madre Tereza de Calcutá é o amor em movimento. Só o amor cristão tonifica a solidariedade. Quem ama não se doa por interesse. A solidariedade cristã não é mera filantropia nem, muito menos, demagógica pilantropia político-partidária. A solidariedade cristã está vinculada totalmente ao que é dos sentimentos de Cristo. A caridade é a maior de todas as virtudes (Cf. 1Cor. 13,13).

c) A Oração: Pela oração nós falamos com Deus e Ele, em segredo, fala conosco. Muito mais que falar para Deus, é importante que deixemos que Ele nos fale. O “Pai Nosso” deve ser uma manifestação do amor gratuito de Deus em nós. Pela intimidade de Jesus como Filho é que Ele fala a Deus como Pai. Precisamos aprender de Jesus como ser um bom filho. Ele é o modelo.

Por fim, a palavra de Deus é o nosso melhor instrumento para as meditações deste tempo quaresmal. Nós podemos nos organizar e ficar em prontidão de corpo e alma para celebrar a nossa Páscoa. Não se conhece vitória sem guerra. Jesus em seu deserto também foi tentado. Contudo, a proposta evangélica deste tempo é: “arrependei-vos e crede no Evangelho”. Assim o seja!

Discípulos formados, comunidade forte

“Só uma comunidade de discípulos bem formados, transforma uma comunidade cristã”. Santo Agostinho diz que “no crente, Cristo se forma, pela fé, no homem interior, chamado à liberdade da graça, manso e humilde de coração, que não se envaidece pelos méritos de suas obras, que são nulas. Se ele começa a ter algum mérito, deve-o à própria graça. A este pode chamar seu mínimo e identifica-lo consigo aquele que disse: ‘O que fizestes a um dos mínimos meus, a mim o fizestes. Cristo é formado naquele que recebe a forma de Cristo. Recebe a forma de Cristo quem adere a Cristo com espiritual amor (PL 35,2131-2132)”.

Um cristão que faz a experiência com o mistério do ressurreto, no tempo qualificado pela presença de Deus, se torna, na comunidade, um ser com Cristo, vinculado à sua Igreja. Essa proposta não perde seu encanto em meio aos tantos desa fios da Posmodernidade. O que era próprio do cristianismo da Igreja primitiva, continua sendo atual, aqui e agora. A formação dos discípulos missionários é justamente a tentativa de potencializar uma mentalidade atualizada do que é peculiar a Cristo, no tempo de Deus. Este horizonte, pelo tempo e no espaço, por meio de toda a simbologia divina, dinamizada na história, pela e na Igreja de Cristo, dá as condições necessárias e integrais para que o discípulo tome as estruturas humanas e testemunhe, no mundo, a verdade e o amor que é Deus e só é de Deus, revelado plenamente em Jesus Cristo (Cf. Jo 1,1-18).

A proposta eclesial e bem contextualizada desta meta teológica e pastoral está contida e lançada para a Igreja latino-americana no documento de Aparecida. A tentativa da V Conferência não pode ser ‘atrofiada’. É um convite para todos os fiéis batizados e em função de todos os cristãos. A Igreja tem que estar em estado permanente de Missão. A característica desta realidade humana e divina é o seu hoje projetado para o futuro. Esta forma histórica da presença do divino na História da Humanidade só é forte quando é bem estruturada pelos sentimentos presentes no coração de Cristo, que diz o que é de Deus. O Espírito de Deus, e só por Ele a comunidade cristã se caracteriza e é caracterizada pela vida e missão de Jesus para a salvação do gênero humano e glorificação de Deus.

Em todas as instancias das estruturas temporais, nós somos convidados a dizer e viver a verdade e anunciar o reino de Deus (Cf. Mc 1,15). Não só em meio aos pobres, mesmo tendo a convicção que nossa opção preferencial e não excludente é por eles, mas em todos os lugares nos quais nós estejamos atuando e cumprindo os nossos afazeres. Todos têm direito à comunhão com a pessoa de Jesus, porque todos somos filhos de Deus. Precisamos reconhecer e discernir que a nossa pecaminosidade pessoal é causa dos males sociais, principalmente no confronto com tantas injustiças existentes; contudo, o encontro pessoal com Jesus, pelo qual a graça se nos foi concedida (Cf. Jo 1,17), é uma possibilidade humana e uma garantia divina.

Enfim, o que o doutor da graça nos escreve continua sendo atualíssimo. A formação dos discípulos missionários é o meio sem o qual a unidade de espírito e de corpo da comunidade cristã, em Cristo e através da Igreja, tem que ser continuada e permanente. O paradigma teológico e metodológico do intento de Aparecida ainda não foi compreendido pela maioria dos cristãos católicos. Mas a Fé não dispensa a Esperança. Assim o seja!

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Igreja, Afetividade e Sexualidade

Não deve ser estranho, para nós cristãos, falarmos sobre essa dimensão fundamental do homem. Nós, á luz do mistério de Cristo, precisamos ser peritos em humanidade, como bem o disse o Papa Paulo VI. O medo do que é humano não pode fazer parte da existência cristã. Nós nascemos para o amor porque somos fruto do amor de Deus, pois Ele é Amor (cf. 1Jo 4,8). Santo Agostinho diz que "não há ninguém que não ame. A questão é saber o que se deve amar. Não somos, por conseguinte, convidados a não amar, mas sim a escolher o que havemos de amar" (Cf. Sermão 34). A Igreja considera a simétrica compreensão da genuína e cristalizada manifestação da afetividade e sexualidade humana considerando sempre este paradigma antropológico.

Na perspectiva cristã falar sobre o sentido duma sexualidade que é sempre afetiva, remete-nos às bases da antropologia bíblica que desde o "início" da criação, depois de criar o homem e a mulher, Deus disponibilizará tudo para integração deles tendo em vista que "tudo era bom" (Cf. Gn 1,27-31). Portanto, considerar a perspectiva antropocêntrica totalizante da criação é considerar a sexualidade humana como meio bom e divino de revelar a afetividade que instiga os seres humanos a viverem como seres humanos, ou seja, que suas relações afetivas e sexuais vividas plenamente com amor, no amor e pelo amor. Num certo momento da história da Igreja, principalmente por causa da influência da filosofia platônica, que considera o corpo como cárcere da alma e, que, de certo modo embasou uma visão dualista em alguns padres da Igreja dos primeiros séculos do cristianismo, em alguns ambientes se estigmatiza ainda essa acepção que não tem base na Revelação bíblica, como já foi visto. Vale ressaltar que é uma acepção isolada de facções existentes no interior de comunidades cristãs.

Na modernidade, Sigmund Freud, "o principal introdutor do tema, considerava o ser humano como movido por uma série de impulsos (biológicos/corporais) que se orientam para a satisfação de suas necessidades e de seu prazer. Para ele, haveria constante duelo entre a força do impulso sexual (libido) e a força repressora cultural, social, moral e religiosa (super-ego). Embora Freud reconhecesse que os desejos sexuais não poderiam ser satisfeitos imediatamente em qualquer contexto ou condição quando as pessoais convivem em sociedade, concluiu que a grande maioria dos problemas psicológicos viria de impulsos reprimidos. Vamos constatar, na sociedade atual, dois entendimentos que foram gerados a partir dessa visão freudiana da sexualidade. Ambos estão equivocados em sua base, porque partem de concepção errada de pessoa, reduzida apenas à dimensão corpórea e psíquica (Cf. Texto base, CF 2008, n.56)".

O modo como está sendo falado e vivido a sexualidade na sociedade contemporânea é desligado daquilo que subjetivamente é inerente ao sentido da sexualidade. Ela está manca do seu aspecto espiritual. A Igreja deseja e, por isso, forma os cristãos para que a vivam de modo afetuoso. Ela é elemento integrador e integrante da mais pura essência do homem e da mulher. Ela existe para que estes sejam colaboradores sublimes Daquele que é o Amor, através da união conjugal e da procriação que se realiza pelo amor. A coerência interna sobre o significado que tem a sexualidade para a Igreja é importante para que seja possível a compreensão da sua ética sexual e como a experiência mostra que ela está em mais profunda sintonia com verdadeiro desejo da vivência humana da sexualidade afetuosa e não afetada pela falta de amor que está presente na civilização neurótica porque não está amando o que deve amar. Assim o seja!